A IDADE DO VAZIO
Vivemos na idade do vazio! Se nos anos 50, 60 e 70 existiam movimentos que por si sós preenchiam vidas, hoje vive-se na televisão, no computador, naquela pessoa, no DVD com o filme ou o concerto, em festas cuja finalidade não é divertir mas sim fazer esquecer, etc. Bom, o que é certo é que não se vive, “ganha-se a vida”, embarca-se em esquecimento deliberado, mas não se vive, os bens materiais falam sempre mais alto! Vive-se a comprar porque ainda é uma das poucas formas de atacar a ansiedade existencial, (provocada pela ausência de metas, de objectivos a atingir) ou a comer em exagero, a beber em exagero (o que é pior) ou a consumir drogas para melhor aguentar as Raves, as baladas, ou o que é mais grave, para conseguir aguentar esta vida. Os valores morais estão decadentes, o comportamento ético é algo em vias de extinção. O que interessa é curtir, porque a vida se pressente curta (mas nunca se consciencializa verdadeiramente este facto). O que interessa o amanhã, mesmo o hoje à tarde ou mais tarde, hoje?
Vejamos o caso grave das Religiões. As Cristãs perderam, estão a perder ou não souberam concretizar as ideias de Cristo, torná-las chamativas. Não nos poderemos talvez admirar com esta realidade se pensarmos que mesmo o próprio Jesus Cristo o não conseguiu fazer há cerca de quase 2000 anos atrás.
Destas tristes realidades surgem, no entanto, pessoas e crenças mais atentas, ou pelo menos, mais interventivas. Se excluirmos o ateísmo que é sem dúvida nenhuma o vencedor desta idade vazia, mas não o seu causador, vemos cada vez mais o receio de uma Igreja Católica pela doutrina espírita que ganha adeptos em grande número a nível mundial. O caso do Brasil é bastante sintomático desta situação. O que é grave (?) é o sincretismo envolvido, já que, grande parte destas pessoas são espíritas e católicas ao mesmo tempo; o Budismo que surgiu de forma galopante no Ocidente em grande parte devido à invasão desenfreada e genócida da China no Tibete (infelizmente, há males que vêm por bem), também é terreno fértil ao sincretismo, ao “mix-up”, jamming, o que quiserem chamar a estas misturadas xaroposas. Ao nível do Budismo ocidental o que vemos muito? Aproveita-se do Dharma (ensinamentos Búdicos) o que interessa a cada um e o resto passa imediatamente a um plano secundário (aliás, o mesmo que se passa na Igreja Católica e não só). A título de exemplo, veja-se que o Budismo renega terminantemente o aborto, a homossexualidade, a eutanásia, etc. É verdade que o Budismo é profundamente tolerante, mas em questões que remetam ao terminar propositado duma vida ou adoptar práticas que não são adequadas sexualmente (leia-se a propósito Tsering Paldron, ou Emília Marques Rosa, monja Budista Portuguesa, a mais importante no que respeita ao Budismo Tibetano), aí o Budismo é firme. Também temos os Lamas Budistas como os Padres, falando sobre sexualidade (da qual muitos deles era suposto pouco ou nada saberem acerca), de óculos escuros, leitor de Mp3, ou seja, cada vez mais ocidentalizados. Muitos vivem no Ocidente, ganha-se mais e há mais conforto. S.S. chegou já ao ponto de ter de expulsar uns quantos Lamas que apresentavam teorias demoníacas aos discípulos (e isto no Budismo). Fica-nos o exemplo de um Dalai Lama que merece bem o título de Santidade, bem como de alguns Lamas “full time”.
O amor pela Natureza, o amor pelos seres que sentem, esse é praticado ou tentado por relativamente poucos, se bem que penso que este número esteja a aumentar o que propõe uma esperança para o planeta. O Dalai Lama afirma: “Não é importante que você se torne Budista. É importante que você se torne uma pessoa boa ou melhor do que é.” Ou ainda: “Se você não conseguir fazer o bem a todos os seres, pelo menos não faça mal.”.
Sabemos que há que criar condições para que os seres se sintam mais felizes, mas esta sociedade que consome bens e seres não se compadece com esta visão das coisas. Como diz a canção: “O verde do dólar é mais forte que o verde que havia” (na natureza). Isto talvez explique tantas adesões ao Budismo. Uns mantêm-se na esteira dos ensinamentos; outros tornam-se Budistas, tomam refúgio, ou seja, fogem ao sofrimento e a tantas questões que incomodam refugiando-se no mestre, nos ensinamentos que mostram o caminho a seguir para evitar o sofrimento e na comunidade budista que apoia. Até aqui nada de novo, o Cristianismo também tem de tudo isto.
As medicinas alternativas, as milhentas correntes esotéricas, a ressurreição cristã, o nirvana budista, a vida para além desta vida que todos ou quase todos apregoam serão algo mais do que anestesiantes? Seguimos uma corrente e mantemos dentro dela a nossa individualidade de pequeno objecto flutuante a ser violentamente revolteado na corrente ou diluir-nos-emos na própria correnteza do rio? A comunidade é importante, os ensinamentos são-no muitíssimo mais. Os ateus não estão para se chatear com todas estas “muletas”, talvez por isso sejam ateus, por preguiça mental (ou pensando no dono do sombra da azinheira, talvez não).
Quer se queira quer não o homem necessita do religioso do “Relicare” (ligar) que as religiões proporcionam. Viver apenas a parte física do homem é o mesmo que termos um homem completo-incompleto.
Esta anestesia emocional em que se vive neste início de século XXI é quase como que um retorno à “barbárie” medieval. O mundo segue numa “ganza” colectiva da qual uma pequena percentagem de seres humanos se esforça por sair e outra ainda mais pequena já saiu ressacando.
Alguns dos meus parcos leitores dirão que estou a racionalizar excessivamente, outros pensarão que me sinto desiludido com as religiões de uma forma geral. Nada mais errado. Os que irão pensar na racionalização são os que já me categorizaram como “intelectual” (de café?), são os que me conheceram e pensam que ainda me conhecem, ou seja, que eu ainda correspondo àquele padrão de há não sei quantos anos atrás, erram nisso como aliás em quase tudo o que me respeita; os que pensam que estou desiludido com as religiões também erram, estou mais do que nunca do lado delas, pronto para a “luta”! Se já não podemos salvar o que se perdeu, salvemos o possível. Pensemos acima de tudo no Planeta, nesta nossa casa tão linda que às vezes dou por mim a pensar que nem a merecemos. Tenhamos pois esperança no futuro alumiados por estas luzes negras. Mantenha-se por Decreto-Lei o coração feliz e o espírito atento ou o coração a sorrir e a mente desperta.
Dhamma-Cakkappavattana-Sutta
A Roda da Lei
Primeiro Discurso do Buda
Assim escutei eu.
O Bem-Aventurado, encontrando-se no Parque das Gazelas, em Isipatana , perto de Benares, dirigiu-se assim aos cinco bhikkus (monges) :
Existem dois extremos, ó bhikkus, que devem ser evitados por um monge. Quais são eles ? Apegar-se aos prazeres dos sentidos, o que é baixo, vulgar, terrestre, ignóbil e gera más consequências, e entregar-se às mortificações, o que é penível, ignóbil e gera más consequências.
Evitando estes dois extremos, ó bhikkus, o Tathagata descobriu o Caminho do Meio que dá a visão, o conhecimento, que conduz à paz, à sabedoria, ao despertar e ao Nibbana.
E qual é, ó bhikkus, este Caminho do Meio que o Tathagata descobriu e que dá a visão, o conhecimento e conduz à paz, à sabedoria, ao despertar e ao Nibbana ? É a Nobre Senda Óctupla, a saber: a visão justa, o pensamento justo, a palavra justa, a acção justa, o meio de existência justo, o esforço justo, a atenção justa, a concentração justa.
Este, ó bhikkus, é o Caminho do Meio que o Tathagata descobriu, que dá a visão, o conhecimento, que conduz à paz, à sabedoria, ao despertar e ao Nibbana.
Eis, ó bhikkus, a Nobre Verdade sobre dukkha. O nascimento é dukkha, a velhice é dukkha, a doença é dukkha, a morte é dukkha, estar unido ao que não se ama é dukkha, estar separado do que se ama é dukkha, não ter o que se deseja é dukkha. Em resumo, os cinco agregados de apego são dukkha.
Eis, ó bhikkus, a Nobre Verdade sobre a causa de dukkha. É esta “sede” (desejo, tanha) que produz a re-existência e o re-devir, que está ligada a uma avidez apaixonada e que encontra uma nova fruição ora aqui, ora ali; isto é, a sede dos prazeres dos sentidos, a sede da existência e do devir e a sede da não-existência (auto-aniquilação).
Eis, ó bhikkus, a Nobre Verdade sobre a cessação de dukkha. É a cessação completa desta “sede”, o abandoná-la, o renunciar a ela, o libertar-se dela, o desapegar-se dela.
Eis, ó bhikkus, a Nobre Verdade sobre a Senda que conduz à cessação de dukkha. É a Nobre Senda Óctupla, a saber: a visão justa, o pensamento justo, a palavra justa, a acção justa, o meio de existência justo, o esforço justo, a atenção justa, a concentração justa.
[...]
Com a compreensão “Esta é a Nobre Verdade sobre dukkha”, ó bhikkus, nas coisas que antes não tinham sido entendidas, surgiram em mim a visão, o conhecimento, a sabedoria, a ciência e a luz.
Com a compreensão “Esta Nobre Verdade sobre dukkha deve ser compreendida”... “Esta Nobre Verdade sobre dukkha foi compreendida”, ó bhikkus, nas coisas que antes não tinham sido entendidas, surgiram em mim a visão, o conhecimento, a sabedoria, a ciência e a luz.
Com a compreensão “Esta é a Nobre Verdade sobre a causa de dukkha”... “Esta Nobre Verdade sobre a causa de dukkha deve ser destruída”... “Esta Nobre Verdade sobre a causa de dukkha foi destruída”, ó bhikkus, nas coisas que antes não tinham sido entendidas, surgiram em mim a visão, o conhecimento, a sabedoria, a ciência e a luz.
Com a compreensão “Esta é a Nobre Verdade sobre a cessação de dukkha”... “Esta Nobre Verdade sobre a cessação de dukkha deve ser compreendida”... “Esta Nobre Verdade sobre a cessação de dukkha foi compreendida”, ó bhikkus, nas coisas que antes não tinham sido entendidas, surgiram em mim a visão, o conhecimento, a sabedoria, a ciência e a luz.
Com a compreensão “Esta é a Nobre Verdade sobre o Caminho que conduz à cessação de dukkha”... “Esta Nobre Verdade sobre o Caminho que conduz à cessação de dukkha deve ser desenvolvida e praticada”... “Esta Nobre Verdade sobre o Caminho que conduz à cessação de dukkha foi desenvolvida e praticada”, ó bikkhus, nas coisas que antes não tinham sido entendidas, surgiram em mim a visão, o conhecimento, a sabedoria, a ciência e a luz.
Ó bhikkus, enquanto este conhecimento real das Quatro Nobres Verdades, sob os seus três aspectos e nas suas doze modalidades , não estava suficientemente claro em mim, eu não proclamei a este mundo com os seus deuses, Mara e Brahma, as suas turbas de ascetas e brâmanes, os seus seres celestes e humanos, que tinha obtido o conhecimento incomparável e supremo. Mas, bhikkus, quando este conhecimento real das Quatro Nobres Verdades, sob os seus três aspectos e nas suas doze modalidades, se tornou perfeitamente claro para mim, somente então proclamei a este mundo com os seus deuses, Mara e Brahma, as suas turbas de ascetas e brâmanes, os seus seres celestes e humanos, que tinha obtido o conhecimento incomparável e supremo.
E o conhecimento profundo surgiu em mim: inabalável é a libertação da minha mente, este é o meu último nascimento e agora não haverá mais outra existência.
Assim falou o Bem-Aventurado e os cinco bhikkus, contentes, louvaram as suas palavras.
Samyutta-nikaya, Sacca-samyutta, II, I
(versão portuguesa a partir da tradução de Walpola Rahula, in Walpola Rahula, L’enseignement du Bouddha d’après les textes les plus anciens, estudo seguido de uma escolha de textos, prefácio de P. Demiéville, Paris, Éditions du Seuil, 1978, pp.122-124)